Sobre coisas da vida que eram pra ser simples mas tornam-se uma novela.
Toda sexta-feira eu trago tapioca pro pessoal daqui do trabalho. É de graça, de presente, pura bondade de coração. Então é uma tapioca só. E às vezes nem tapioca é. Substituo por bolo de milho sempre que a fila da tapioca na feira está muito grande.
Herdei essa incumbência de uma antiga chefe de seção que se aposentou. Ela trazia tapioca da feira pro pessoal da seção dela e, como eu morava na mesma rua, acabei me prontificando a manter a tradição após sua aposentadoria.
Esse “pessoal” na verdade eram os antigos funcionários dela e quem mais aparecesse no canto do café.
Daí o tempo foi passando, as pessoas foram mudando, muita gente nova entrou na gerência, e eu mantive a tradição da tapioca basicamente por duas pessoas doravante assim denominadas: o Gibson porque é louro, alto e bonito igual ao Mel Gibson, e a Dercy porque senão ela me xinga igual à Dercy Gonçalves e ainda para de falar comigo.
Então, essas são as duas pessoas sagradas. Essa é a única regra. No mais, quem estiver presente lucra um pedacinho. Estamos falando de uma única tapioca para em média 5 pessoas (exclusive eu), ou seja, uma lasquinha bem socialista mesmo pra cada um.
No começo trazia duas, mas percebi que a Dercy estava muito egoísta guardando uma inteira só pra ela. Daí, passei a trazer uma só.
No começo eram só Gibson e Dercy que eu chamava, mas daí começou a aparecer gente carente se sentindo desprestigiada porque não foi “convidado”, daí comecei a ter que fazer convites. E aí começou a novela.
Dercy ficou com ciúmes e brigou com uma dessas pessoas. Já falei que Dercy é temperamental? Essa pessoa então parou de falar com Dercy e me pediu para trazer só para ela, mediante pagamento, claro. Só esqueceu de me dar o dinheiro antecipado. A única vez que eu trouxe a encomenda “exclusiva” para ela, a cara-de-pau fez propaganda pela gerência e mandou que viessem fazer degustação do pedaço que eu trago de cortesia para os meus amigos, ao invés de dar do dela. Não preciso nem dizer que a Dercy quase enfartou.
Resultado: nunca mais trouxe o pedaço por encomenda pra essa pessoa, e agora tenho que ouvir as indiretas dela.
Por falar em indiretas, tem também uma outra “sensível” da gerência. Na verdade, essa outra figura é muito olho grande. Apesar da estatura de hobbit, ela não pode ver comida de graça que não sossega enquanto não garante o seu quinhão. Então toda sexta é a mesma coisa: ladainha, indiretas, insinuações até conseguir umas lasquinha da tapioca, ou do bolo de milho, ou do jiló se jiló eu trouxesse.
Hoje foi a vez da hobbit-olho-grande se superar. Dercy não estava porque saiu cedo pra fazer coisas no Centro, mas ainda voltaria. Como Dercy tem três dúzias de folgas do TRE pra tirar, coloquei na cabeça que ela enforcou o feriado e abstraí de vigiar para salvar o pedaço dela. Por fim, estávamos eu, um outro colega, o Gibson e a hobbit-olho-grande. Como sobrou um pedaço, eu perguntei se Gibson ou o outro colga não queriam matar. Como os dois declinaram da oferta, quem ficou quicando na cadeira até meter o mãozão na tapioca? Quem? Quem Quem? Acontece que a hobbit-olho-grande de distraída não tem nada. Assim que meteu o mãozão no último pedaço, falou:
– Quem vai ficar fula da vida é a Dercy quando voltar da rua! kkkkk
Foi aí que me caiu a ficha. A Dercy ainda vai voltar! Putz! Vai me xingar de viada, vai parar de falar comigo, a novela vai começar… E a fdp da hobbit-olho-grande sabe muito bem disso, mas o olho é maior que tudo nessa vida.
OK, só questão de horas pra estourar a terceira guerra mundial. Não deu outra. Voltando do almoço, dei de cara com a Dercy no hall do elevador do lado da hobbit-olho-grande. Dercy foi logo despejando seu arsenal bélico sobre mim enquanto a hobbit-olho-grande tirava o seu da reta descaradamente.
Raiva, muita raiva. Pensei em tantas coisas hediondas pra fazer com essa hobbit dos infernos. Por fim, ela veio e me deu o dinheiro pra comprar uma tapioca exclusiva pra Dercy na semana que vem.
Problema agora é a minha memória. Se eu esquecer dessa bosta, aí ferrou.
Se uma tapioca rendeu assim, vocês podem imaginar no que deu a doação dos meus vestidos de marca pro brechó beneficente de uma colega daqui do trabalho pra ajudar o Hospital Mário Kröeff.