Capa de celular de crochê

Assisti uns vídeos de modelagem no youtube, entendi tudo, e fiquei roxa de vontade de costurar. Daí comprei a única coisa que me faltava para iniciar os trabalhos: réguas de costura. Então acabaram-se as desculpas e eu TENHO QUE fazer alguma roupa.

Agora entendi porque raios me meti a fazer essa capinha de crochê pro meu celular. Na hora H de começa uma coisa nova, bate uma preguiça enorme. Foi daí que ressuscitei o crochê, pra procrastinar a costura.

Aprendi esse ponto aqui: https://youtu.be/0ezyWBQzAfQ

Como no meu caso o celular é maior e a linha é mais fina que o exemplo do vídeo, dobrei o tamanho da base de 11 pra 22 correntinhas. Com isso, rolou uma certa gambiarra no começo mas depois o negócio fluiu.  No final voltei pra gambiarra porque não queria aquele modelo de fechamento do vídeo. Prefiro abrir e fechar com velcro pra ficar mais fácil de tirar e colocar o celular.

Enquanto isso, as réguas de costura ainda estão na sacola da Caçula.

Tudo passa

Quem criou a tradição da tapioca me passou o bastão quando se aposentou. Lá se vão dez anos. Morávamos na mesma rua, que tinha uma feira. Toda sexta-feira ela trazia duas tapiocas pra equipe de umas 8 pessoas. Sei disso porque a partilha dava uma tirinha de tapioca pra cada um. Eu não era desse grupo, então mal sabia da história. Mas enfim, quando ela se aposentou, por uma coincidência de CEP, acabei herdando a tradição da tapioca, e honrei-a porque já gosto de uma tradição. Os anos passaram, eu me mudei, mas o destino colocou outra feira no meu caminho. E a tradição sobreviveu. Dá até pra calcular a inflação acumulada do período. A tapioca passou de 1,50 para 4,00 em dez anos.

Às sextas-feiras minha chegada era aguardada e minhas ausências nunca passaram incólumes. Já deu confusão a partilha da tapioca. Cortei metade do fornecimento quando uma das tapiocas começou a ser privatizada. Depois comecei a diversificar alternando a tapioca com o bolo de milho que teve uma aceitação até maior do que a tapioca. O bolo de milho também foi ferramenta de bulling. Garantir a borda que fica tostada pelo contato com a forma, a chamada “bundinha” da fatia, já foi sinônimo de poder.
As pessoas são terríveis.
Era nesse dia q o papo no café demorava mais. A conversa avançava manhã a fora. O assunto alternava entre falar sacanagem e falar mal dos outros. Já falei q as pessoas são terríveis?
Mas o tempo, sempre ele, se encarregou de ir mudando as coisas. Uma a uma, as pessoas foram saindo. Não tínhamos mais uma confraria.  As que chegaram depois eram participantes eventuais, numa semana estavam, na outra não. Agora era uma relação aberta. Entramos na modernidade líquida.
Ultimamente, restavam apenas dois sócios-fundadores. Até que o PDI levou um deles embora, e a reestruturação levou o outro pra longe. Na última sexta-feira me dei conta de que passei direto pela barraca da tapioca. Depois de tantos anos, eu não vou mais parar ali.

Crochê pra salvar alça de bolsa detonada

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Pizza Grelhada

O post está comprido mas a receita é fácil.

Os ingredientes básicos são: água, fermento, açúcar, sal, farinha de trigo e azeite. O resto é tempero.

Em termos de equipamentos, você precisará de uma batedeira com batedor de massa (em forma de gancho) , uma chapa de ferro ou alumínio, ou forma de pizza que será usada sobre o fogão mesmo, e precisará usar o forno por uns 5 minutos.

1ª Parte – fermentando

Misture num copo 3/4 de xíc. de água morna, 1 sachê de fermento biológico seco, meia colher de chá de açúcar e mexa bem. Deixe descansar por 5 minutos. Nesse período, o aspecto vai mudando assim:

feermento1 fermento2 fermento3 fermento4 *Se a água estiver quente demais o fermento vai cozinhar, e se estiver fria, o fermento ficará cru. Em ambos os casos, a pizza vai pro brejo. Aqui em casa, deixo o copo d’água 21 segundos no microondas e dá certo.

2ª Parte – batendo

Enquanto o fermento descansa pelos 5 minutos aí de cima, coloque na batedeira 2 xíc. de farinha de trigo e 1 colher de chá de sal, bata rapidamente só pra misturar. Depois, despeje a água fermentada e bata por 5 minutos. Primeiro na velocidade baixa pra misturar, depois em velocidade alta por 2 minutos pra formar essa bola:

IMG_20160706_185839188 No começo parece que vai dar errado. Primeiro a farinha se espalha pra todo lado e parece que aquele farelo nunca vai virar uma bola. Mas a medida que a bola vai se formando, ela própria “limpa” toda a farinha espalhada e a bacia da batedeira fica limpinha exatamente como na foto. O problema a essa altura é que a bola vai batendo violentamente nas laterais da bacia e, se a batedeira for de plástico como a minha, parece que vai desmontar. Nessa hora, ore e abrace a bacia fervorosamente.

3ª Parte – descansando

Retire a bola da batedeira e coloque numa vasilha com um fio de azeite. passe a bola pelo azeite para que não resseque por forra. Cubra com um filme plástico e deixe descansa por duas horas (já esqueci por uma noite inteira e foi tudo bem). Ela vai dobrar de tamanho.

IMG_20160629_190232974 IMG_20160629_210514133 Depois deixe na geladeira por pelo menos 1h, mas pode ficar até 3 dias. Com essa massa dá pra fazer duas pizzas.

4ª Parte – abrindo

Polvilhe farinha de trigo nas mãos,  na mesa e no rolo de abrir massa (pode usar uma garrafa de vinho pra abrir a massa). Retire metade da massa e amasse delicadamente para retirar as bolhas de ar de dentro da massa ( a outra metade pode voltar pra geladeira e ser usada outro dia). Com o rolo, abra a massa no tamanho e formato da sua grelha ou forma de pizza. Em média 30cm de diâmetro. A minha é quadrada por causa da grelha. Pode deixar a massa torta mesmo que é rústico.

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5ª Parte – grelhando

Pode ser uma grelha de ferro ou mesmo uma forma de pizza. No caso da forma de pizza, use-a emborcada sobre o fogo, pois é preciso que as bordas da massa fiquem livres para poder levantar com facilidade. Esquente bem a grelha no fogão. Dobre a massa ao meio e, segurando pelas pontas, transfira da mesa para a grelha, desdobrando em seguida (essa parte é tensa e eu não consegui tirar foto). Em pouco tempo a massa vai desgrudar sozinha e formar bolhas. Levante as bordas pra ver se está chamuscada por baixo. Esse é o ponto, meio queimadinha.

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6ª Parte – colocando a cobertura

Com a massa virada na grelha, distribua a cobertura conforme a sua escolha no lado que foi grelhado. Deixe o fogo ligado enquanto isso, porque daí dá uma tostada do outro lado também. Só nào pode demorar muito distribuindo a cobertura. Usei tomate pelado de lata, mussarela ralada, azeitona preta, orégano e uma misturinha de alho, azeite e manjericão batido no processador. Essa misturinha é o segredo pra deixar a pizza muito saborosa. E o que sobra vira tempero pra qualquer coisa. É bom demais.IMG_20160707_200457752 IMG_20160707_200812651 (podia ter ficado mais queimadinha. Essa ficou muito pálida.)

6ª Parte – assando

Transfira a pizza da grelha pro forno. Não precisa usar forma de pizza, basta colocar direto na grade do forno porque como a massa foi grelhada antes, estará firme o suficiente.

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Voilà!

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Não que eu seja influenciável

Passei um fim de semana revirando a vida inteira da dona desse blog. Exceto pelos 4 filhos e 2 cachorros, tudo o mais me empolgou tão imensamente que semana passada fiz minha primeira pizza, comecei uma hortinha e comprei uma composteira! E já estou sonhando com o meu próprio cereal, katchup e pasta de amendoim.

Sobre a pizza, não teve a parte poética de sovar usando apenas mãos e amor porque já estraguei muita massa tentando brincar disso. Essa aqui eu bati na batedeira com aquele batedor especial em forma de gancho. Ela formou essa bola sozinha, graças a Deus. Então foi só passar um pouco de óleo pra não ressecar, deixar descançar pra crescer, colocar na geladeira pra fixar o sabor e… bem, a novela da pizza eu explico depois. Só adianto que ficou tipo assim a-melhor-pizza-do-planeta-de-todos-os-tempos.

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O lixo orgânico lá de casa agora tem destino nobre: alimentar minhas singelas 300 minhocas australianas. Fofo, não? Tem promoção de composteiras de todos os tamanhos na Morada da Floresta. Essa é pra duas pessoas que comam pouco em casa.

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E o húmus das minhas minhocas vai alimentar a hortinha, que por enquanto se resume a esse humilde vaso na janela com um pezinho de salsa, cebolinha, rúcula e manjericão. Mas não subestimem. É assim que nascem os impérios.

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Marido está me zoando que o que eu gastei até agora dava pra comprar rúcula pro resto da vida. Ele não entende, o que está em jogo é romper com o sistema, é tomar a pílula vermelha. Ou era a azul? Não lembro.

Enfim, a questão é sair da já saturada lógica capitalista. O problema é que o sistema é foda, parceiro. Até sair dele tem preço. E custa caro. E no final, você nem sai de verdade. É só uma ideologia que eu quero pra viver.

E viva Cazuza. E viva o Capitão Nascimento.

Arroz belo, recatado e do lar

Então o almoço da reunião de família caiu no seu colo, e você não está nada a fim de gastar dinheiros alimentando o povo todo, certo? Te entendo, é a crise.

Faz arroz pra todo mundo, amiga-dona-de-casa! Enfeitando dá pra dizer que é arroz de forno. Ou nem coloca no forno e chama de risoto. Isso se não tiver nenhum aspirante a masterchef na família. Porque daí já entra o raio do arroz arbóreo e a sua economia vai pras cucuias.

Você só precisa de três coisas: o arroz, o frango e os enfeites.

O arroz é aquele branquinho só na cebola e alho de de todo dia.

O frango é aquela bandeja de 1 kg de filé de peito que sempre tem promoção no mercado. Bota aquilo na panela de pressão, não precisa nem descongelar, e joga todos os temperos da casa. TO-DOS. Isso é muito importante porque é aí que está a alma do seu arroz. Não poupe cebola, alho, pimentão, tomate, curry, pimenta-do-reino, salsa, cebolinha, louro, vinagre, enfim, o mundo. Só não coloque água demais, pra não virar sopa. A ideia é que ao término do cozimento, fique só um caldinho concentrado que vai servir pra umedecer e dar gosto no arroz. Daí deixa cozinhando na pressão o maior tempão, até que a carne se desmanche sozinha e você não tenha nem que desfiar.

Os enfeites são ervilha em lata, mussarela ralada, presunto picado e cenoura ralada e passada na água fervendo pra dar uma amolecida. Se bem que fazendo o arroz já com a cenoura, não precisa nem ter esse trabalho. Só agora pensei nisso.

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Daí mistura tudo e cobre com queijo ralado, ovo cozido, azeite e orégano.  Pode levar no forno pra dourar um pouquinho o queijo ralado. IMG_0676

Ou então aproveita que tá quente e come logo porque o queijo derrete de qualquer jeito.IMG_0678

E pronto. Mesmo na crise a família brasileira está alimentada e feliz. Porque esse risoto é de frango mas não é coxinha.

Lembranças gustativas

O pão italiano é duro, pesado, difícil de morder. O miolo é denso e a casca não se rompe facilmente. A mordida tem que ser com aqueles molares lá do fundo da boca.  Então, é esse o pão. Daí você abre e deixa no grill até fazer aquelas riscas douradas cruzando o miolo, bem tostado. Enquanto isso, pega o bife de filé que temperou só no sal grosso e tasca na frigideira bem quente com um nada de azeite. Se a frigideira não estiver muito quente, a carne acaba cozinhando ao invés de selar. E é pecado cozinhar filé mignon. Ele tem que ficar bem tostado por fora, mas rosa e úmido por dentro. Daí tira logo da panela e coloca em cima de uma banda do pão italiano. Aliás, assim que tirar o pão do grill, passa um fio de azeite sobre cada banda do pão. Aí sim, vem com o filé por cima de uma banda. Na outra banda vai mais azeite, uma generosa camada de cream cheese e a cebola que você dourou na frigideira com um pouco de molho inglês. Ele serve pra soltar aquele dourado que a carne deixou grudado e seu adocicado compensa o sal grosso do filé.

Dia desses um colega do trabalho lembrou do relato detalhado que eu tinha feito de um sanduiche de filé. Eu já nem lembrava mais desse sanduiche e sequer imaginava que ele marcaria assim a memória de alguém. Daí ressuscitei o sanduiche ontem e cá está ele, agora com imagem.

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O original tinha queijo gorgonzola no lugar do cream cheese, e a salada de rúcula tinha umas lascas de pêra bem maduras. Delícia.

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Enquanto tomava café da manhã com a Cau sábado passado, não sei sobre o que conversávamos quando ela engatou uma lembrança atrás da outra e acabou achando um veio de memórias muito antigas que nem ela própria sabia que ainda existiam. A infância, a casa sem luz, a mãe secando costela no sol por uma semana até ficar bem preta, o pai chegando de bicicleta com abacaxi, inhames e abóboras amarrados em cordas. Cada fatia de inhame cozido enchia um prato e era uma refeição completa. O abacaxi tinha que comer logo e cozinhava-se  feijão todos os dias, porque não tinha geladeira naquele tempo. Nem luz. O feijão, a propósito, era também sozinho uma refeição completa. Ia dentro dele toda sorte de legume que se conseguisse arranjar. Quanto melhor financeiramente fosse a condição da família, mais variados eram os legumes no feijão. Como a família da Cau era pobre mesmo nos padrões da caatinga pernambucana, no feijão da mãe dela ia ainda menos coisas do que no das vizinhas. Sempre que podia, ela compensava com minúsculos nacos que ia partindo daquela costela que secou ao sol. A cada panela de feijão, ia um pedacinho com mais osso e sebo do que carne propriamente. Mas isso era suficiente pra dar um sabor que a Cau nunca conseguiu reproduzir anos depois, com luz e geladeira já no sudeste. E roer o cotoco da costela era privilégio do patriarca. Nesse feijão, ela repetiu algumas vezes que lembrava da abóbora bem vermelha do tipo sergipana, e tinha também quiabo, um quiabo inteiro que ela nunca descobriu como que a mãe fazia pra tirar a baba. O quiabo ficava inteiro e sem baba. E não tinha muita coisa pra temperar, possivelmente só colorau. O tempero é outro mistério que a Cau nunca descobriu. Mas tinha um gosto que fez os olhos dela brilharem só de lembrar.

Daí que obviamente eu passei a semana toda com esse feijão na cabeça. Igual ao colega do trabalho que encasquetou com o meu sanduiche de filé, eu não tirei mais da cabeça o feijão da Cau. Aproveitei meio saco de feijão vermelho que estava há tempos esperando uma carne seca que eu nunca tinha disposição pra comprar, e foi com ele a minha livre adaptação do “feijão da infância da Cau”.

_ um pedaço de abóbora bem vermelha
– um chuchu
– meia cebola picada e meia cabeça de alho
– salsa, cebolinha, louro, sal, pimenta do reino e curry
– duas colheres de sopa de manteiga

Fiz um refogadão com isso aí e não coloquei água, só tampei a panela e deixei no fogo baixo.

O feijão vermelho amolece rápido. Bastou uma hora de molho e 15 minutos na pressão. Cozinhei ele junto com duas beterradas inteiras com casca e tudo e meia cebola também inteira. Passados os 15 minutos na pressão, ele não está totalmente cozido, mas esse é o ponto pra despejá-lo na panela dos legumes refogados, que também ainda estão duros. Separei as beterrabas pra comer tipo salada, fatiadas com azeite. O restante, deixei terminar de cozinhar junto.

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Na hora do almoço, adivinha? A Cau comeu e não lembrou de absolutamente nada da conversa de uma semana antes. Meu feijão não bateu nem na trave.

A máfia das velhinhas

As minhas manhãs estão cronometradas desde que inventei de fazer hidroginástica antes do trabalho. Acontece que às 6h30 é a hora do rush da hidro. A piscina está tão lotada que é difícil não acertar alguém quando o professor manda dar chutes laterais, por exemplo. E tem uma patota de velhinhas que fazem rodinha no meio da piscina pra bater papo. A gente se acotovelando na aula enquanto elas estão lá, balançando placidamente o corpo ao sabor da água numa conversa tão animada que até esquecem o professor, a aula, os exercícios, whatever.

Ok, elas têm o direito de fazerem o get together quando bem entenderem. Mas olha que sacanagem master: antes da aula acabar, as apressadinhas já começam a sair da piscina. Bem no meio do alongamento, a corna aqui tem que ficar dando pulinhos pra lá e pra cá, porque tem velhinhas passando.

Tudo isso sabe por que? Hein? Hein? Sabe de nada, inocente.

Pra chegar antes no chuveiro! E lavam cabelo e tudo.

Daí, lá vai a corna ficar plantada no banheiro esperando vaga no chuveiro. E elas continuam a conversa “inter” box: cada uma no seu, berrando pras outras ouvirem. Tranquilas da vida. Só falta cantarem.

Ó-d-e-o. matadores de velhinha

 

Quem sabe eu ainda sou uma garotinha

Só que não.

Foi do dia pra noite, num flash, como um piscar de olhos. Meu rosto pulou pros 40 anos do nada, sem fazer escala.

O espelho não deu nenhum aviso prévio. Foi com a ascensão da selfie que eu descobri a verdade. Eu me olho no espelho e é uma coisa, faço uma selfie, e é outra. No espelho: ok. Na selfie: ARG! Pode isso, Arnaldo?! Cheguei a colocar a câmera ao lado do espelho. Vejo duas pessoas diferentes. Eu sou a do espelho ou a da selfie? Ok, não respondam.

Mas isso não tem relação com o fato de ficar velha.

-x-x- Pausa para a questão das distorções da autoimagem. – x-x-

Só agora descobri porque eu me achava tããão mais bonita do que eu era. Desde pequena me julgava linda demais, uma Brastemp, essa Coca-Cola toda. Podia passar horas encarando o espelho, me comia com os olhos. Não entendia porque as pessoas não rastejavam por mim. Como nenhum olheiro da Ford Models me descobriu?

Muito antes do tempo das câmeras digitais, cheguei a juntar um dinheiro, fui num estúdio de fotografia (daqueles bem peba onde se tirava foto 3×4) e pedi pro senhor tirar uma foto minha. Passei um batom vermelho cremoso anos 90, joguei o cabelo pro lado, fiz carão, olhar penetrante, fiquei uns demorados segundos imóvel, e esperei o resultado. Naquele tempo não saía na hora. Quando voltei pra pegar, espanto: cadê eu? O que vi foi uma garota bem ordinária me encarando presunçosamente. Tenho essa foto guardada até hoje.

O espelho parece tão real que levei 35 anos pra perceber a ilusão que ele provoca. E passei todo esse tempo culpando os fotógrafos. Isso vale pra peso também. Já ouvi pessoas dizendo que só se deram conta do próprio peso quando se viram em foto na praia.

O espelho reflete o que a gente pensa, não o que a gente é.

-x-x- Agora voltemos para o meu envelhecimento súbito. -x-x-

O fato de não ser o colosso que eu via no espelho não significava que eu não fosse bonita. Eu era bonita, ok? Ouvia muita cantada na rua, no trabalho.

Depois parei de ouvir…

As pessoas ficaram discretas, educadas. Pensei.

Depois aprendi com o feminismo que cantada é abuso sexual. Então beleza não ouvir mais cantada.

As gafes de confundirem meu marido com meu pai também acabaram. Ok, dava pena ver a cara de constrangimento das pessoas.

Agora, frequentemente alguém me pergunta se eu estou tensa, preocupada com alguma coisa, e já saem me consolando a priori. Eu até pensava que devia estar preocupada mesmo, alguma coisa do subconsciente, sei lá. Fabricava motivos que correspondessem ao que o meu rosto sinalizava. Afinal, se a minha cara está preocupada, então eu estou preocupada. É fácil achar motivo pra se preocupar.

Finalmente fiz minha segunda grande descoberta depois do espelho. Estou envelhecendo. As bochechas estão minguando, as sobrancelhas estão escorregando testa abaixo, os olhos estão caindo nos cantos. É isso. Por isso as pessoas acham que eu estou preocupada.

The oldness is coming.

Descobri que sorrir empurra as bochechas pra cima, e isso empurra também os cantos dos olhos caídos. O negócio então é sorrir. Depois de buscar motivos pra me preocupar, agora tenho que sorrir.

Resumo da ópera: dei pra fazer selfie com sorrisinho de monalisa.

Me incomoda

Me incomoda o povo confundindo o dia da mulher com o dia das mães.

Me incomoda os homens confundindo o dia da mulher com o dia da esposa, da amante, da gostosa que eles querem comer.

Sexta-feira, na aula de hidro, passei uma hora ouvindo uma coletânea de músicas que fizeram para a mulher:

– Teve Roberto Carlos homenageando as baixinhas e as quarentonas que ele quer comer;

– Teve Martinho da Vila enumerando as mulheres que ele já teve, de todas as cores, idades, formatos, tamanhos, só faltou materiais, tipo mulher de plástico.

– Teve um cara de axé com a voz do Compadre Woshington homenageando a mulher toda boa, toda boa, toda boa… que ele quer comer;

– Por fim teve uma luz no fim do túnel, e eu aliviada pude ouvir a Elis Regina cantando Maria Maria. Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!

Mas antes da hidro, eu ainda tive que ler o e-mail do meu chefe homenageando as mulheres. Além das gafes clássicas de homenagear mãe, esposa e empregada, ele ainda resolveu ser profundo e citou vário filósofos (notem, filósoFOS), todos comparando mulheres com flores, perfume, jardim, purpurina.

É tão difícil assim homenagear simplesmente a mulher? E antes que digam, não, eu não tô na TPM. É só que me exaspera ver que ainda precisamos de mil dias da mulher pra realizar o que é ser mulher. Eu posso não ser mãe ou esposa, posso não saber fritar um ovo. Posso, ao invés disso, dirigir um caminhão, virar uma laje ou gostar de mulher. Ainda assim, serei tão mulher quanto qualquer outra.

Dizem que mulher é um ser complicado por natureza. Mas complicadas são as regras que inventaram pra gente. Pela natureza, ser mulher é muito simples, tão simples que a gente nasce sabendo, mas quando cresce, desaprende.

Ser mulher é fazer as coisas #LikeAGirl.

Obrigada, Always.