Quem sabe eu ainda sou uma garotinha

Só que não.

Foi do dia pra noite, num flash, como um piscar de olhos. Meu rosto pulou pros 40 anos do nada, sem fazer escala.

O espelho não deu nenhum aviso prévio. Foi com a ascensão da selfie que eu descobri a verdade. Eu me olho no espelho e é uma coisa, faço uma selfie, e é outra. No espelho: ok. Na selfie: ARG! Pode isso, Arnaldo?! Cheguei a colocar a câmera ao lado do espelho. Vejo duas pessoas diferentes. Eu sou a do espelho ou a da selfie? Ok, não respondam.

Mas isso não tem relação com o fato de ficar velha.

-x-x- Pausa para a questão das distorções da autoimagem. – x-x-

Só agora descobri porque eu me achava tããão mais bonita do que eu era. Desde pequena me julgava linda demais, uma Brastemp, essa Coca-Cola toda. Podia passar horas encarando o espelho, me comia com os olhos. Não entendia porque as pessoas não rastejavam por mim. Como nenhum olheiro da Ford Models me descobriu?

Muito antes do tempo das câmeras digitais, cheguei a juntar um dinheiro, fui num estúdio de fotografia (daqueles bem peba onde se tirava foto 3×4) e pedi pro senhor tirar uma foto minha. Passei um batom vermelho cremoso anos 90, joguei o cabelo pro lado, fiz carão, olhar penetrante, fiquei uns demorados segundos imóvel, e esperei o resultado. Naquele tempo não saía na hora. Quando voltei pra pegar, espanto: cadê eu? O que vi foi uma garota bem ordinária me encarando presunçosamente. Tenho essa foto guardada até hoje.

O espelho parece tão real que levei 35 anos pra perceber a ilusão que ele provoca. E passei todo esse tempo culpando os fotógrafos. Isso vale pra peso também. Já ouvi pessoas dizendo que só se deram conta do próprio peso quando se viram em foto na praia.

O espelho reflete o que a gente pensa, não o que a gente é.

-x-x- Agora voltemos para o meu envelhecimento súbito. -x-x-

O fato de não ser o colosso que eu via no espelho não significava que eu não fosse bonita. Eu era bonita, ok? Ouvia muita cantada na rua, no trabalho.

Depois parei de ouvir…

As pessoas ficaram discretas, educadas. Pensei.

Depois aprendi com o feminismo que cantada é abuso sexual. Então beleza não ouvir mais cantada.

As gafes de confundirem meu marido com meu pai também acabaram. Ok, dava pena ver a cara de constrangimento das pessoas.

Agora, frequentemente alguém me pergunta se eu estou tensa, preocupada com alguma coisa, e já saem me consolando a priori. Eu até pensava que devia estar preocupada mesmo, alguma coisa do subconsciente, sei lá. Fabricava motivos que correspondessem ao que o meu rosto sinalizava. Afinal, se a minha cara está preocupada, então eu estou preocupada. É fácil achar motivo pra se preocupar.

Finalmente fiz minha segunda grande descoberta depois do espelho. Estou envelhecendo. As bochechas estão minguando, as sobrancelhas estão escorregando testa abaixo, os olhos estão caindo nos cantos. É isso. Por isso as pessoas acham que eu estou preocupada.

The oldness is coming.

Descobri que sorrir empurra as bochechas pra cima, e isso empurra também os cantos dos olhos caídos. O negócio então é sorrir. Depois de buscar motivos pra me preocupar, agora tenho que sorrir.

Resumo da ópera: dei pra fazer selfie com sorrisinho de monalisa.

Deixe um comentário